Durante a Copa, quando não me embriaguei, encurtando uma vida considerada, no fim das contas, feliz, assisti às partidas com a minha avó. Dona Zinda não conhece o PVC, uma espécie de oráculo do jornalismo esportivo contemporâneo, mas, se conhecesse, falaria que eu sei mais de futebol do que ele. Convívio demais com a família, em certos casos ― como o meu ―, pode ser um atentado grave à autoimagem.
E a minha “autoridade” em casa como grande entendedor se fez valer em milhares de momentos durante os jogos. Na segunda partida de uma seleção qualquer na primeira fase, minha avó perguntou trocentas vezes:
― Pedro, quem perder sai?
― Depende do outro jogo do grupo, vó. Se a Grécia gan…
― Ah, não sai? Ué, tem que sair. Não?
― Ainda tem mais um jogo, vó. São quatro times, e dois pas…
― Não gosto desse time de branco, não.
E por aí vai.
Em determinado momento do torneio, minha “autoridade” passou a gerir o livre-arbítrio dela.
― Para quem a gente tem que torcer?
― Ué, vó, torce para quem você quiser! Vou torcer para a Bélgica.
― Bélgica? Vamos lá, Bélgica, ganha desses aí.
Ela só não admitia ser influenciada quando a seleção em campo era a Argentina. Quando Messi e o resto entravam em campo, minha avó trabalhava a energia do mundo ― como numa Genki-Dama inversa ― para foder a vida deles. Sim, ela elevou a superstição a níveis quase nunca dantes navegados, e levava para o sofá um pé de meia com um nó.
― O que é isso, vó?
― Estou amarrando a perna dos argentinos.
Sim, em cada partida da Argentina (e de qualquer sul-americano e, interessante vovó pensar assim, dos Estados Unidos), ela passou noventa minutos com a meia no colo. Quando a Argentina pegava a bola, ela segurava e esticava as pontas, com o objetivo de cegar ainda mais o nó que estava na meia. Dessa forma, segundo ela e as forças salpicadas pelo cosmo, o time acabava jogando mal.
Se você reparar, a Argentina não esculachou em nenhum jogo. Tomou sufoco da Nigéria, quase empatou com o Irã e por um triz não ia com a Suíça para os pênaltis. Durante a disputa de pênaltis com a Holanda, vovó pegou no sono (pegar no sono do nada é uma propriedade dela e provavelmente de todas as pessoas com 92 anos), e os hermanos levaram. Na final, por outro lado, Higuaín perdeu um gol que nem o Jô enfaixado num skate perderia.
A Alemanha deve 100% do título a minha avó.